CASO PERICARDITE TBC

PERICARDITE SEM CAUSA APARENTE, RESPONDE A PROVA TERAPEUTICA ESPECIFICA ANTITUBERCULOSA

 PEDRO ARTURO AGUILERA RODRIGUEZ MD.

SANTA CASA DE BELO HORIZONTE
INSTITUTO DE ENSINO E PESQUISA

RESUMO

Paciente admitida na Santa Casa  com historia de sintomas associados a insuficiência cardíaca  de quatro meses de evolução, submetida a exames clínicos laboratoriais e de imagem, evidenciando comprometimento do pericárdio. Houve suspeita de provável causa tuberculosa, pois a paciente tinha antecedentes epidemiológicos de contato, apresentou reação positiva forte reator ao teste de Mantoux. foi pesquisado o bacilo da tuberculose em líquidos cavitarios e feito biopsias de pleura sem sucesso. Então instituído tratamento de prova antituberculoso, evidenciando-se melhora clinica e radiológica que reforçam a hipótese diagnostica.

Palavras Chaves: pericardite, tuberculose, tratamento

INTRODUÇÃO:

O acometimento do pericárdio leva muitas vezes ao desenvolvimento de pericardite constritiva, patologia que se caracteriza por um espessamento fibrótico do pericárdio, limitando o enchimento diastólico das câmaras cardíacas.

Entre as entidades que originam este tipo de complicação encontra-se as de etiologia infecciosa sendo a Tuberculose a de maior incidência. No Brasil assim como em outros países em vias de desenvolvimento, a Tuberculose tem ainda altas taxas de incidência. Atualmente descrita em 1 a 4% dos casos de pericardites e tendo sua apresentação clinica variável , na Pericardite Tuberculosa, o comprometimento do pericárdio ocorre habitualmente por disseminação linfática retrograda, desde os linfonodos paratraqueais, peri bronquiais, e mediastinais, ou por disseminação hematogenia desde um foco pulmonar primário, manifesta-se a traves de derrame pericárdico, pericardite constritiva ou um padrão misto, sendo incomum o tamponamento cardíaco.

Normalmente, o pericárdio apresenta uma espessura igual ou inferior a 3 mm. No acometimento crônico, especialmente a de etiologia Tuberculosa, a sua espessura pode ultrapassar os 10 mm .A Pericardite Tuberculosa é a causa mais comum de pericardite constritiva em África, Ásia e em algumas regiões de países latino-americanos. Atualmente observa-se com mais frequência como complicação da Tuberculoses associada ao AIDS. O uso de drogas antituberculosas em ambas as fases  e também a prolongação do tratamento ate nove meses, conseguiram que o prognostico desta doença  tenha mudado. sendo um quadro  de difícil diagnostico, pode-se  retardar o inicio da terapia especifica. O diagnostico de Tuberculose e sugerido pela clinica e pela imagenologia. Muitas vezes a gravidade da situação clinica não permite demoras e a suspeita de etiologia bacilar, ainda que sem a orientação previa de um exame direto positivo, desde que esgotados os médios diagnósticos, justifica a instituição de tratamento antituberculoso de prova. A utilização medicamentos antituberculosos (prova terapêutica) para definição diagnóstica deve ser indicada em pacientes sem confirmação bacteriológica.

A positividade da prova terapêutica baseia-se na melhoria clinica e radiológica, sendo considerado como um dos critérios mais importantes  o desaparecimento da febre quando exista. Deve ser ainda relembrada a síndrome febril indeterminada, forma de apresentação não rara da tuberculose, sobre todo em localizações extrapulmonares, e que justifica com alguma frequência a instituição de terapêutica antibacilar.

DESENVOLVIMENTO

IDENTIFICAÇÃO

M.V.S., 42 anos, parda, casada, trabalhadora rural, natural e procedente de São João Evangelista, interior de MG.

QUEIXA E DURAÇÃO

Dispneia, febre, edemas de membros inferiores, quatro meses de evolução.

HISTORIA PREGRESSA DA QUEIXA ATUAL

Previamente hígida. procurou atendimento medico com historia de palpitações, dor torácico, dispneia progressiva, febre, sendo medicada com antibiótico na suspeita de pneumonia. Evolui com aumento do volume abdominal, edemas de membros inferiores, limitando atividades diárias devido a piora da  dispneia.

Procurou atendimento em UPA, sendo encaminhada para Santa Casa de BH.

ANTECEDENTES PESSOAIS

Nega HAS, diabetes, tabagismo. Refere internação previa apenas para cesariana. Não recebeu vacina  BCG (sem cicatriz).

ANTECEDENTES FAMILIARES

Esposo e filho com tosse crônica sem propedêutica.

ANTECEDENTES EPIDEMIOLOGICOS

Vários casos reportados de Tuberculoses na sua cidade. Compartia mesmo meio de transporte com trabalhadores rurais em tratamento para TB pulmonar.

EXAME FÍSICO

Sinais vitais: PA  90/60, FC  120, FR 20, Sat O 2 96% em ar ambiente.

Geral: hipocorada, hidratada

Pescoço: turgência jugular presente a 45 graus

Coração: ritmo regular, taquicardico, bulhas hipofonéticas

Pulmões: murmúrio vesicular abolido   nos 2/3 inferiores do hemitorax esquerdo.

Abdome: aumentado de volume, ascitico, fígado a 10 cm RCD, indolor.

Membros inferiores: edema ++/++++

EXAMES SUBSIDIARIOS

ELETROCARDIOGRAMA: ritmo sinusal, frequência cardíaca de 115 bpm aprox., AQRS normal, ondas t negativas nas paredes anterior e inferior, alterações difusas da repolarização. Baixa voltagem no registro do ECG (figura 1).

 

ekg de altdiFUSADerepolarizacion

Figura1- Traçado eletrocardiográfico evidenciando alterações difusas da repolarização e ondas t negativas

RADIGRAFIA DE TORAX: da admissão, evidenciando derrame pleural volumoso a esquerda (figura 2).

RX DERRAME PLEURAL IZQUIERDO PEDROARTURO

Figura 2- radiografia de tórax na admissão evidenciando derrame pleural à esquerda

ECOCARDIOGRAMA: FE: 64%, câmaras de dimensões normais, veia cava inferior dilatada. Pericárdio bastante espessado e com sinais sugestivos de calcificação. (figura 3)

US PERICARDITIS

Figura 3 – imagem do ecocardiograma evidenciando espessamento do pericárdio

TOMOGRAFIA:Primeira tomografia de tórax em 20/07/12  mostrando espessamento pericárdico de 12,8 mm, coração de dimensões normais, linfonodomegalia mediastinal, derrame pleural volumoso a esquerda. (figura 4A)

Segunda tomografia  de tórax em 30/08/12 mostrando espessamento pericárdico de 6 mm, coração de dimensões normais. (figura 4B)

TEM PERICARDITIS drpedroarturo

Figura 4A- tomografia de tórax evidenciando espessamento do pericárdio (12 mm)

TEM PERICARDITIS EVOLUCION DRPEDROARTURO

Figura 4B- Tomografia de tórax, evidenciando melhora na espessura do pericárdio apos 6 sem de tratamento.

USG ABDOMINAL: hepatomegalia congestiva associada à ascite acentuada.

BIOPSIA DE PLEURA: pleurite crônica leve e inespecífica.

EXAMES LABORATORIAIS

Reação intradermica de Mantoux (PPD): forte reator 13 mm

HIV Elisa: não reagente

Liquido pleural: citopatológico não se observa malignidade na amostra. Teste de ADA negativo.

CONDUTA

Realizado drenagem torácica para alivio dos sintomas de dispneia até em duas oportunidades, drenando 2000 ml na primeira semana apos admissão e 2500 ml na quinta semana.

Instituído Tratamento de Prova para Tuberculose, esquema recomendado pelo programa nacional de TB, associado a corticoide, prednisona.

EVOLUÇÃO

Melhora clinica importante evidenciada pelo desaparecimento da dispneia, pela redução dos edemas, do volume abdominal assim com melhora no tamanho do fígado.

DISCUSSÃO

A Pericardite Tuberculosa é uma complicação pouco frequente, ocorrendo entre 1- 4% de todos os pacientes com quadro de Tuberculose, com 80 – 90% de mortalidade sem tratamento, e mesmo com tratamento a mortalidade varia de 14 – 40%. Aproximadamente entre 12 – 17% dos pacientes morrem antes de se fazer o diagnostico e 16% destas mortes acontece na fase aguda devido a tamponamento cardíaco.

O acometimento pericárdico ocorre geralmente por disseminação linfática retrograda do Micobacterium Tuberculose desde os linfonodos peritraqueais, mediastinais ou por disseminação hematogenia desde um foco pulmonar primário .

Morfologicamente é possível reconhecer quatro estadios evolutivos da Pericardite Tuberculosa: 1. Exsudação fibrinosa com polimorfo nucleares, abundantes micobactérias e formação de granulomas, 2. Derrame hemático com exsudato de predomínio linfocitário, 3. Organização e engrossamento pericárdico y 4. Pericardite constritiva, podendo estes achados variar segundo o estado imunológico do paciente. No  presente caso o paciente representa o estagio final da Pericardite Tuberculosa.

Na  Pericardite Tuberculosa podem se distinguir três formas clinicas : derrame pericárdico, pericardite constritiva e um padrão misto. No caso apresentado, o paciente evoluiu progressivamente por 4 meses até chegar na complicação mais frequente da Pericardite Tuberculosa : a constrição pericárdica.

A Pericardite constritiva é uma forma crônica na qual o pericárdio encontrasse rígido, cicatrizado e com menor elasticidade que o normal. O pericárdio não pode distender se em quanto acontece a diástole cardíaca, dificultando  o enchimento das câmaras cardíacas , diminuindo desta forma o debito cardíaco.

Os sintomas encontrados com maior frequência como dispneia de esforço, tosse, febre, dor torácica, edemas, distensão abdominal, são manifestações de doenças sistêmicas, mas orientam claramente a buscar uma patologia de origem cardiovascular. Os achados mais frequentes no exame físico como turgência jugular, hepatomegalia congestiva, bulhas hipofonéticas, edemas, são também claros indicadores de comprometimento cardíaco. Todos estes sinais e sintomas foram evidenciados no exame do paciente em questão e coincidem com os publicados em outras series de relatos de casos de Pericardite Tuberculosa.

Em pacientes com sinais e sintomas de insuficiência cardíaca com função sistólica do ventrículo esquerdo preservada, como se apresenta  nosso paciente, pois e Ecocardiograma evidenciou uma FE de 64%, deve incluir se entre os diagnósticos diferencias à Pericardite Constritiva.

Entre os métodos para seu diagnostico  achamos desde culturas em líquidos cavitarios, a testes imunoquimicos diversos, biopsias de tecidos, as vezes dependentes de técnicas invasivas.

O diagnostico bacteriológico da Pericardite Tuberculosa e sumamente difícil pois precisa realizar técnicas invasivas e com baixa sensibilidade dos métodos disponíveis.

Dado o caráter invasivo na biopsia e na punção pericárdica, além da baixa sensibilidade do estudo microbiológico, o medico se vê na necessidade de utilizar outros critérios para decidir o inicio da terapia especifica. A demonstração de Tuberculose ativa em outro órgão foi o critério mais usado em uma serie de estudos de 27 casos. Este critério tem sido adotado por vários autores.

Já em relação a nosso paciente, observamos comprometimento pleural manifestado a traves de derrame pleural, mas não tivemos sucesso em designa-lo com pleurite tuberculosa na intenção de procurar um foco tuberculoso extra pericárdico.

O Ecocardiograma é o estudo não invasivo de eleição e permite a observação de derrame pericárdico, engrossamento e depósitos de cálcio , hiperrefringencia, transtornos do enchimento ventricular. No estudo ecocardiográfico realizado em nosso paciente foi evidenciado espessamento e calcificação do pericárdio.

Os achados eletrocardiográficos foram alterações da repolarização, baixa voltagem, e onda t negativa nas paredes anterior e inferior. Achados similares tem sido reportados em diferentes estudos.

A visualização da espessura do  pericárdico que não deve ser maior de 3 mm na tomografia, sugere o diagnostico de pericardite constritiva, como sucedido no referido paciente que se apresenta com um pericárdio de 12 mm num primeiro momento e cai para um espessura  de 6 mm num segundo momento apos 6 semanas de tratamento especifico. Assim mesmo evidenciou em nosso paciente a presença de  linfoadenomegalias mediastinais que são visíveis em 100% dos casos de pericardite tuberculosa.

Os critérios diagnósticos de Pericardite Tuberculosa em países e comunidades onde a TB tem alta prevalência incluem : resposta adequada a quimioterapia antituberculosa. Outros autores tem utilizado  critérios como a reação de Mantoux maior a 10 mm, a exclusão de outras patologias (a traves de critérios clínicos e de laboratório) e a resposta satisfatória ao tratamento antituberculoso.

O presente caso trata-se de uma pericardite de provável etiologia Tuberculosa com repercussão clinica manifestada por sintomas de insuficiência cardíaca. Nos exames  realizados podemos confirmar achados compatíveis com o quadro de pericardite, reforçando a hipótese diagnostica que  fica assim determinada pelos antecedentes epidemiológicos, alguns exames de apoio diagnostico e principalmente pela importante melhora clinica do paciente apos instaurada a terapia especifica.

CONCLUSÃO

A pesar das novas técnicas para o diagnostico da Tuberculose, a Tuberculose extra pulmonar continua sendo um reto devido a sua apresentação atípica e com menor população bacilar.

Em áreas de Tuberculose endêmica, os quadros de Pericardite aguda primaria merecem uma investigação para esta doença.

É importante considerar o sistema cardiovascular durante o estudo de pacientes com hepatomegalia o ascite crônica.

Utilizar todas as fontes prováveis de localização do bacilo para seu isolamento.

Realizar o diagnostico em base a critérios clinico-epidemiológicos.

Tratamento de prova deve ser instituído na suspeita da etiologia e mantido após evidenciar melhora clinica.

REFERÊNCIAS:

  1. BRAUNWALD E. Tratado de Doenças Cardiovasculares. 8a ED. Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda 2008  p. 1841-1848
  2. BRITO J. et al. Tratamento Antituberculoso de Prova, a Propósito de alguns Casos. Interna. Vol. 3,N.3, 1996
  3. DENIZAR VIANA ARAUJO et al .Pericardite Tuberculosa como Primeira Manifestação da AIDS . Rev. Arq. Bras. Cardiol.65: 497-500, 1995
  4. DIRECÇÃO GERAL DE SAUDE. CIRCULAR NORMATIVA N° 19/DSCS/PNT DE 17/10/2007 Asunto : Rastreio de Infecção VIH nos doentes com Tuberculose.
  5. ELIZABETH SOARES LOPES. Doenças do Pericardio Relacionadas a AIDS, Rev. Ars Cvrandi Cl. Médica, 30:139-144, 1997
  6. MASTROIANNI A.,CORONADO O., CHIODO F. Tuberculous Pericarditis and AIDS . Case Reports and rewiew. European j. Epidemiol., 13:755-759, 1997
  7. TALREJA  DR, et al . Constritive Pericardite in patients with Histologically Normal Pericardial Thickness, Circulation. 2003, 108 (15): 1852-7.
  8. HEURICH A, QUALE J, BURAK J. Pericardial Tuberculosis. Em: Tuberculosis. First Ed. Little Brown and Company, 1996:531-540

PEDRO ARTURO AGUILERA RODRIGUEZ MD.

SANTA CASA DE BELO HORIZONTE
INSTITUTO DE ENSINO E PESQUISA

BELO HORIZONTE -MINAS GERAIS – BRASIL – 2012

Comentarios

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